quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Entrevista com Garrett Oliver


Como, relembrar é viver, resolvi trazer a tona novamente a entrevista feita com o Garrett Oliver pelo Roberto Fonseca (Latinhas do Bob) para o caderno Paladar do Estadão, lembro que na época que o Garret estava no Brasil de férias em Bombinhas (SC) a convite do pessoal da Eisenbahn, pude conversar um pouco com o nobre cervejeiro, na oportunidade ele pode demonstrar seus dotes culinários e além de deixar claro seu amor pelo que faz, Garrett para quem não sabe é o mestre-cervejeiro da microcervejaria nova-iorquina Brooklyn.
Nesta vinda, além de conhecer o litoral catarinense, participou da abertura da Sommerfest 2008, que reuniu produtores artesanais catarinenses. Oliver é um dos mais respeitados especialistas em harmonizar cerveja e comida, é autor do livro The Brewmaster's Table, ele concedeu esta entrevista ao Roberto, entretanto a idéia por ele transmitida em nossa conversa era exatamente esta, você fazendo o que gosta, da forma correta, com seriedade e muita pesquisa, há sucesso, degustem mais esta entrevista sem moderação.

Roberto Fonseca - Quais cervejas brasileiras você já provou? Qual sua impressão sobre elas?
Garrett Oliver - É difícil para mim lembrar dos nomes, mas já tomei algumas. Estive em Blumenau em 2005 e fui a uma festa de cerveja. Algumas produções são bastante boas e fiéis aos estilos originais. No caso das microcervejarias, não consigo ver a razão de produzirem cervejas sem sabor como as feitas por produtores maiores.

R.F - Qual você considerou a melhor?
G.O - As cervejas da Eisenbahn são as melhores que eu provei, especialmente as weissbiers e a dunkel. A dunkel, para falar a verdade, é melhor do que muitas do estilo produzidas na Alemanha.

O cervejeiro aproveitando a festa Blumenauense.


R.F - Qual a imagem da cerveja brasileira nos Estados Unidos? Ainda somos conhecidos como o país da "lager fraquinha e amarelada"? Ou produções locais já são conhecidas por meio de sites de avaliação e exportadores?

G.O - Muitos americanos nunca provaram nenhuma cerveja brasileira, logo eles não têm uma imagem do que seja a cerveja brasileira. A Brahma começou a tentar (se tornar conhecida nos EUA), mas tiveram pouco impacto até agora. A Corona, do México, já ocupa a categoria de "lager tropical fraquinha", por isso será um páreo duro para eles.


R.F
- Qual foi a chave para as microcervejarias se multiplicarem nos Estados Unidos, mesmo competindo com fabricantes maiores e marcas importadas? Vocês têm de lidar com competição de preços de cervejas vindas de outros países? Ou trata-se de uma faixa diferente do mercado?

G.O
- Nós realmente fizemos parte de uma revolução culinária, junto com o queijo, o vinho e muitos outros tipos de comida. Quando os americanos começaram a comer melhor, eles também quiseram beber melhor. Além disso, as microcervejarias americanas são muito criativas. Isso quer dizer que nós tivemos uma oportunidade de apresentar novos sabores e realmente fazer com que as pessoas se interessassem por cerveja. No entanto, nós competimos sim com cervejas estrangeiras baratas, como a Stella Artois, para a qual conseguiram criar uma imagem "chique" na América. Os belgas acham isso muito divertido.


R.F
- Como a "educação cervejeira" do consumidor se desenvolveu nos Estados Unidos?

G.O
- Os livros de escritores como Michael Jackson (jornalista britânico, falecido em 2007) foram muito influentes. Além disso, o movimento de cervejeiros caseiros funcionou como uma espécie de incubadora para a cena cervejeira americana. Grandes chefs cozinham em casa primeiro. Nos Estados Unidos, é o mesmo com cervejeiros.

R.F - No Brasil, produtores de cervejas artesanais ainda têm de lidar com "preconceitos cervejeiros", como "a cerveja deve ser servida estupidamente gelada" ou "cervejas escuras devem ser doces e agradam mulheres". O mesmo ocorre com vocês?
G.O - Sim, o mesmo ocorre nos EUA com a questão da cerveja gelada. Agora, sobre a cerveja escura, é verdade? Eu nunca tinha ouvido essa! As mulheres não gostam de experimentar cervejas escuras lá. Temos de convencê-las a provar.

Garrett e eu brindando as boas cervejas no evento.


R.F - Qual o impacto de mostrar às pessoas como harmonizar boas cervejas com boa comida? Isso ajudou a disseminar conhecimento sobre cervejas de qualidade?

G.O - Parece ter tido um grande impacto. Muitos produtores agora usam a harmonização como uma grande ferramenta para promover suas cervejas. Também funciona como "elo" entre a cerveja e a vida das pessoas, mostrando a elas quão maravilhosa pode ser a bebida em um jantar em casa. Isso faz a cerveja passar de um divertimento para um item de luxo que não é caro. A maioria das pessoas pode comprá-las todo dia. Atualmente, muitas pessoas conhecem cerveja de qualidade e buscam por elas.

R.F - No vídeo Cheese Wars (www.youtube.com/watch?v=6Zwi__PCal0), você "duela" com uma enóloga durante uma degustação de cervejas, vinhos e queijos. Como você analisa a reação das pessoas quando elas descobrem aromas e sabores da cerveja?
G.O - Elas ficam bastante chocadas. Geralmente o público é composto de fãs de vinho, logo eles não esperam optar pela cerveja. Mas ela é tão claramente superior que eles têm de ser honestos e deixam a degustação como fãs de cerveja, que é meu principal objetivo. Eu adoro vinho também, mas a cerveja é bem mais versátil com comida, em especial com queijos.

R.F - Quão importante é para uma microcervejaria produzir uma grande variedade de estilos?
G.O - A criatividade é o maior pré-requisito para o sucesso da cultura cervejeira. Não importa onde você procure no mundo, a cerveja sempre é mais bem-sucedida onde há uma boa mistura de estilos tradicionais e novos. Eu adoraria ver produtores brasileiros começarem a fazer cervejas especificamente produzidas para combinar com comida brasileira, talvez com ingredientes nacionais únicos. O mestre-cervejeiro hoje é como um chef, ele pode buscar influências em todo lugar. A tradição é muito boa - nós fazemos muitas cervejas tradicionais -, mas se você quer realmente chegar à imaginação das pessoas, você precisa ser criativo. E é bem mais divertido dessa maneira!

R.F - Qual o segredo do sucesso para uma microcervejaria como a Brooklyn? Se você estivesse para abrir uma microcervejaria no Brasil, qual seria seu plano?
G.O - Creio que, obviamente, as cervejas teriam de ser sensacionais, mas o mestre cervejeiro precisa estar à frente do negócio ajudando a difundir a cultura, exatamente como os chefs fazem. Eles precisam trabalhar com chefs top de linha e harmonizar a cerveja com boa comida brasileira, e também com pratos de influência européia. A Brahma e outras cervejas industriais já se apossaram da "imagem de praia", e uma pequena cervejaria não vai quebrar essa associação. O microcervejeiro precisa se nivelar por cima. De lá, você pode tornar a cerveja mais acessível para todos.

R.F - O aumento nos preços do malte pode brecar o crescimento do movimento de microcervejarias no mundo?

G.O - Certamente será um desafio, especialmente em países com menos reservas. Torcemos para que as pessoas não se afetem tanto com o preço, porque certamente teremos de elevar nossos valores.

R.F - Há alguma coisa a mais que você gostaria de dizer?
G.O - Gostaria que as pessoas percebessem que nós (os norte-americanos) somos o povo que menos teria tendência a desenvolver uma grande cultura cervejeira. As pessoas pensavam que a cerveja deveria ter gosto de água com gás. Em 20 anos, passamos de 40 microcervejarias a mais de 1500. O mercado de cerveja artesanal nos EUA cresceu 11% no ano passado, e tem crescido todo ano desde a década passada. Cerveja de verdade, como comida de verdade, é tanto o passado quanto o futuro. As pessoas estão abrindo os olhos para coisas melhores e uma vez que as provam, não querem mais aceitar produtos industriais.


Mais informações:
Site do Garrett Oliver
Site da Cervejaria Brooklyn

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